— Força na direita, dona Maria Luíza!
— Isso, seu Alcy, defende o rosto!
— Mantenha o foco, seu Ivan!
A cada nova frase de incentivo disparada aos alunos, o professor Abílio Mendes, 39 anos, recebe um sorriso durante as aulas de boxe na sala de treinamentos da Associação Parkinson do Rio Grande do Sul (Apars), em Porto Alegre. Nas tardes das terças-feiras, a turma formada por 20 pacientes com a doença esquece os próprios limites ao distribuir golpes diretos e jabs (tipo de soco rápido) no adversário imaginário.
Oferecida desde junho, a atividade tem atraído mais participantes a cada novo treinamento. Foi a vice-presidente da entidade, a psicóloga e mestre em gerontologia biomédica Neusa Chardosim, quem convidou Mendes para participar como voluntário e fazer um trabalho até então inédito no Estado. Acostumado a atender crianças, adolescentes e idosos em projetos sociais em Esteio, no Vale do Sinos, Mendes aceitou o desafio.
— O boxe para pacientes com Parkinson é muito usado nos Estados Unidos, mas ainda pouco divulgado no Brasil. Só conheço outra turma assim no Nordeste — explica Neusa. — O esporte ajuda a ativar o cérebro na área das funções executivas (autocontrole, memória de trabalho e flexibilidade cognitiva), além de gerar motivação e socialização dos pacientes — completa a especialista.
E é exatamente a possibilidade de voltar a desempenhar duas atividades ao mesmo tempo que o vendedor aposentado Ivan Almeida, 63 anos, diagnosticado com Parkinson há oito anos, mais comemora. O boxe, segundo ele, tem lhe ajudado a manter o reflexo e o desempenho físico.
— Eu não conseguia mais segurar o meu pescoço, pensar e movimentar os braços, ao mesmo tempo. Hoje, domino mais o meu corpo e isso me deixa muito feliz — comemora.
Motivação não falta também para a dona de casa Maria Luiza Tozzo, 76 anos, há 15 anos enfrentando a doença. Nem mesmo as dores nos joelhos, que a impedem de manter-se em pé o tempo inteiro, lhe tiram a vontade de treinar boxe. Durante 1h30min, ela deixa as muletas ao lado da cadeira, veste as luvas e foca na distribuição dos golpes certeiros nas mãos do treinador. Garante se sentir livre.
— Aqui, exercito os meus braços e o meu cérebro. Pior seria se eu estivesse dentro de casa, lamentando a doença — ensina Maria Luiza.
Reforço para os pacientes
Conforme Neusa, a doença de Parkinson ocorre pela perda de neurônios produtores do neurotransmissor dopamina. Inicialmente, os sintomas aparecem num dos lados do corpo, que não consegue acompanhar o outro lado porque os movimentos — como escrever e abotoar roupas — ficam mais vagarosos. Os sintomas mais presentes da doença são tremores, lentidão e diminuição dos movimentos voluntários, enrijecimentos dos músculos, instabilidade no equilíbrio do corpo, distúrbio da marcha e alteração da fala. Mendes afirma que o boxe auxilia os pacientes a reforçarem a coordenação motora, o equilíbrio, a força, o reflexo e os músculos.
Auxiliado pelo também voluntário Carlos Alberto de Almeida, Mendes leva algumas luvas para as aulas. Outros sete pares foram doados pela loja de artigos esportivos Decathlon. Se o projeto continuar, a meta é conseguir mais doações de novas luvas e equipamentos esportivos. Hoje, os 50 associados da entidade têm gratuitamente, além do boxe semanal, fisioterapia, fonoaudiologia e atividades como caminhada nórdica e pilates. Quem pode, contribui com uma mensalidade de R$ 30 para manter a associação ativa.
Ao saber que as aulas de boxe passaram a fazer parte do calendário da associação, a dona de casa Eloína da Costa Pereira, 83 anos, lutando contra a doença desde 2013, fez questão de se inscrever. Na tarde de ontem, sem jamais ter chegado perto de um ringue, Eloína demonstrou segurança já nas primeiras movimentações na roda de alongamento.
— Uma perna à frente da outra, dona Eloína, para manter o equilíbrio — orientou Abílio.
— Ah, já faço isso dentro do ônibus para não cair. Vai ser fácil, então — ela comentou, aos risos, antes de distribuir os primeiros golpes e pedir nova rodada.
Saiba mais
– As aulas ocorrem nas terças-feiras, das 15h até 16h30min, numa das salas da Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs).
– Para participar é preciso ser associado da Apars.
– As inscrições são feitas neste site.
– A entidade exige cópia do RG, comprovante de residência e uma foto 3×4.
– A entidade aceita doações mensais de R$ 30 para manter as atividades. Pacientes sem condições financeiras não pagam.
– Informações pelo fone: (51) 99927-2188 (Whats) ou 3061-0535.
Entidade organiza congresso nacional
A entidade está organizando o 10º Congresso das Associações de Parkinson do Brasil, que ocorrerá na Associação Médica do Rio Grande do Sul (Amrigs), em Porto Alegre, entre os dias 24 e 26 de outubro. No evento serão discutidos os desafios, as superações e o atual quadro dos pacientes com Parkinson no país.
A programação completa e as inscrições estão neste site.
Fonte: GaúchaZH